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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Funknejo faz sucesso

Ela veio do interior do Brasil, com um passado repleto de romantismo e contemplação da beleza da vida simples do campo. Ele cresceu nos subúrbios e favelas cariocas — chapa quente, papo reto. Mas, jovens, caíram nas mesmas festas, e se deu o encontro, à primeira vista improvável. Unidos pelo desejo da diversão, regada a uísque, energético, sexo e irreverência, a música sertaneja e o funk se aproximaram de forma tão intensa que geraram até um subgênero — o funknejo.Os exemplos são muitos: a referência ao batidão em “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas & Marcelo; duplas sertanejas dando suas versões para sucessos dos bailes cariocas (como “Adultério”, de Mr. Catra, por Pedro Paulo & Alex, ou “Sou foda”, dos Avassaladores, por Carlos & Jader); o surgimento de bandas como a catarinense Sertanejo.Com, que se define como de “batidão sertanejo”; duplas e MCs gravando juntos (“Sou foda 2″, com Cacio & Marcos e Avassaladores, ou “Vem cá”, com Sandro & Guilherme e Mr. Catra). Diversas formas de comunhão entre gêneros que eram considerados inconciliáveis.
Mas um olhar mais cuidadoso na história de ambos mostra que a união não é tão surpreendente. O funk tem de forma mais evidente o espírito mestiço desde sua formação, quando bebia de miami bass e Kraftwerk. Depois, o caldo só fez engrossar com outras informações, sobretudo da própria cultura popular brasileira, como nota MC Leonardo:
— O moleque do funk hoje dança frevo sobre batidas de tambores africanos e pandeiro de samba.
Aproximação simbólica e física
Já o sertanejo, comumente associado à pureza, traz um caminho em muitos pontos similar ao do primo carioca, com abertura para outros gêneros daqui e de fora. Autor da dissertação “Dos braços de uma viola à dissonância de uma guitarra — Tradição e modernidade na música caipira-sertaneja”, o pesquisador Paulo Luna traça esse histórico.
— A música caipira é gravada pela primeira vez em 1929, pelo pesquisador Cornélio Pires. Já na década de 1930 ela começa a sofrer transformações, ao fazer contatos com outros gêneros. Alvarenga e Ranchinho, por exemplo, tocaram no Cassino da Urca. Temas da cidade começam a ser incorporados, como em “O divórcio vem aí”, dos próprios Alvarenga e Ranchinho. Na década de 1940, um grupo de músicos faz uma viagem ao Paraguai e começa a incorporar a guarânia, o rasqueado. A moda de viola passa a ser mais um elemento entre outros.
A década de 1960, aponta Luna, é um marco no sentido da apropriação de outros ritmos:
— A dupla Palmeira e Biá grava um bolero, “Boneca cobiçada”, marcando a mudança do nome, de caipira para sertaneja. No fim da década, começa a fusão com a Jovem Guarda, principalmente com Leo Canhoto e Robertinho, uma das primeiras duplas a usar a guitarra. Para você ver como o cenário é complexo, hoje eles são vistos como tradicionais. Depois vieram as gerações de Chitãozinho & Xororó, aí Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano, cada vez mais voltados para a canção romântica, afastando-se do universo do interior. A atual geração, chamada de sertanejo universitário, radicalizou essas transformações — acredita Luna. — Como os limites da cidade avançam cada vez mais para o interior, há uma aproximação simbólica e física cada vez maior entre funk e sertanejo.
MC Leonardo vê raízes ainda mais fundas na ligação entre ambos:
— A música sertaneja, em sua origem, tem muito de lamento negro — diz, citando a gravação de 1930 da “Moda do peão”, de Mariano e Caçula, na qual Cornélio Pires lista “a melancolia profunda do africano no cativeiro” entre os elementos do canto caipira. — Pensamos sempre nos tambores do candomblé, mas o negro em Minas não fez igual ao da Bahia. E o funk cresceu na favela, entre pessoas de origem negra e nordestina. Querer impedir essa ligação é uma ignorância histórica e da própria natureza viva da cultura.
Nas letras, o novo sertanejo carrega o mesmo hedonismo-classe-C — algo ostentatório, do camarote, da área VIP, de bebidas caras como uísque e champanhe — do funk. Se Chitãozinho & Xororó choravam ao lembrar do cabelo da amada e Leandro & Leonardo imploravam “pensa em mim”, hoje sertanejo e funk se unem em versos como “Quer fidelidade? Arruma um cachorro/ Quer romance? Compra um livro/ Quer amor?/ Volta a morar com seus pais, mulher” — de “Pentada violenta”, gravada por artistas dos dois lados.
— O novo sertanejo, pós-universitário, é um culto à “balada” — diz o antropólogo Hermano Vianna, que identifica cruzamentos que incluem outros gêneros. — Na base há uma mistura furiosa de ritmos, dos baianos aos gaúchos, passando pelo tamborzão. Tudo está próximo.
As duplas confirmam a avaliação de Hermano, do encontro entre os gêneros nas baladas:
— Não éramos ouvintes de funk, mas sempre curtíamos nas baladas — diz Carlos, da dupla Carlos & Jader. — Foi nessas festas que percebemos que o público vibrava com esse estilo musical. Hoje nos tornamos fãs.
Pedro Paulo & Alex (que assinam junto sua declaração, enviada por e-mail) dão testemunho similar:
— Conhecemos o funk nas festas da faculdade. Ouvimos “Adultério” (versão libidinosa de “Tédio”, do Biquini Cavadão) com o Mr. Catra, notamos que todos estavam gravando funknejo, então resolvemos fazer nossa mistura.
No culto à balada, a mulher deixa de ser a musa, por quem se sofria, e passa a ser um troféu, na mesma lógica de ostentação e hedonismo. Por outro lado, ela ganha voz nas canções-resposta, prática comum do funk (e que remete em sua origem aos desafios de violeiros) abraçada pelos sertanejos. Nessas músicas, elas esvaziam a marra deles e afirmam seu olhar, como em “Coitado”, resposta que Naiara Azevedo dá a “Sou foda”: “Se acha o bicho/ Nem era tudo aquilo que contava pros amigos/ Eu sempre te defino/ Desanimador, prepotente, arrogante.”
— Gostaria de ver mais letras voltadas para a nossa realidade, os problemas do sistema. Mas a cultura não está obrigada a nada. Acho ótimo o que os sertanejos estão fazendo — diz MC Leonardo, que vê impactos também no funk. — Acabo de ouvir “Vai ou racha”, do MC Henrico, que vai nessa linha, que ele chama de funk universitário.
Apoiando as letras do novo gênero, há um ritmo dançante que cruza, com originalidade, o acordeom (quase onipresente), tocado de forma frenética, com o tamborzão (transposição do maculelê, tradição interiorana, para uma batida eletrônica). Ou seja, um encontro rico de várias vertentes da cultura popular.
— Há uma rede que linka todas as novas músicas populares brasileiras. Sucessos ganham versões em todos os ritmos. Nasce como forró, vira tecnobrega, arrocha, vanerão, sertanejo, funk… — defende Hermano, dizendo que vê ali a lógica do folclore. — No “Música do Brasil” (projeto de mapeamento de manifestações musicais pelo país), já era uma brincadeira da equipe adivinhar o momento em que apareceria “Calix bento” na festa que estávamos documentando. Ela apareceu até como samba de parelha no interior de Sergipe e na ladainha dos índios do Alto Rio Negro. Pedaços de melodias, de letras, de coreografias circulavam por todas as festas. Cada uma fazia seu remix, reprocessando as mesmas informações em contextos diferentes. Hoje é igual.
fonte: EXTRA


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